OCEANO DE RECURSOS
Quatro em cada dez recursos especiais (REsps) e agravos em recursos especiais (AREsps) que aportam no Superior Tribunal de Justiça sequer chegam a ser distribuídos aos gabinetes, graças à atuação da presidência.
Filtragem feita na presidência do STJ impede distribuição desnecessária de processos aos gabinetes já abarrotados dos ministros
O gabinete do presidente tem em sua estrutura a Assessoria de Admissibilidade, Recursos Repetitivos e Relevância (ARP), que faz uma primeira filtragem para avaliar a admissibilidade desses recursos.
Em 2024, a unidade registrou 151.765 REsps e AREsps inadmitidos, que correspondem a 42,95% do total de recebidos naquele ano. São recursos que não têm condições formais de serem processados ou nem deveriam ter sido enviados ao STJ.
O trabalho é importante para desafogar os 30 ministros que atuam nas turmas de julgamento, evitando a distribuição de processos fadados ao não conhecimento. Especialmente em momento de abarrotamento do tribunal.
Só em 2024, o STJ recebeu mais de 500 mil processos (incluindo HCs, RHCs, RMs, processos ordinários e outros).
AREsps e REsps não conhecidos
A imensa maioria das decisões da ARP se deu em AREsps, que são os agravos ajuizados contra as decisões dos tribunais de segunda instância que não admitiram os recursos especiais interpostos contra seus acórdãos.
Admissibilidade de AREsp no STJ – 2024
Situação | Número | Percentual |
---|---|---|
AREsps recebidos | 286.624 | 100% |
Não conhecido pela ARP | 148.665 | 51,87% |
Não conhecido pelos gabinetes | 61.170 | 21,34% |
Total de não conhecidos | 209.835 | 73,22% |
Essa é a classe processual mais numerosa no acervo do STJ. Em 2024, a corte recebeu 286.624 AREsps. Todos passaram pela ARP. Naquele ano, 286.624 (51,87% do total) não foram conhecidos ainda na presidência.
O restante foi distribuído aos gabinetes, em que outros 61.170 receberam decisões de não conhecimento dos ministros relatores (21,34% do total). Somadas, essas decisões chegam a 209.835 (73,22%) do total.
No caso dos recursos especiais, que chegam ao STJ devidamente admitidos pela segunda instância, a filtragem é menor. Foram 66.670 recebidos em 2024 e 3.100 decisões de não admissão pela ARP (4,65% do total).
Outros 15.451 não foram admitidos já nos gabinetes (23,18% do total). Juntos, ARP e ministros relatores não conheceram de 18.551 REsps, que correspondem a 27,83% dos recebidos em 2024.
Critérios de admissibilidade
Admissibilidade de REsp no STJ – 2024
Situação | Número | Percentual |
---|---|---|
REsp recebidos | 66.670 | 100% |
Não conhecido pela ARP | 3.100 | 4,65% |
Não conhecido pelos gabinetes | 15.451 | 23,18% |
Total de não conhecidos | 18.551 | 27,83% |
O trabalho da presidência nesses casos não passa pelo julgamento do mérito. A ARP avalia se os recursos dizem respeito a alguma tese de repetitivos, que recomendaria o sobrestamento (para aguardar definição) ou a devolução (para juízo de retratação).
Também analisa a incidência de óbices processuais (tempestividade, exaurimento, deserção, representação e cabimento). No caso dos AREsps, há o cotejo entre a decisão de inadmissão com a petição do agravo, para analisar se houve impugnação específica dos fundamentos.
Esse é o procedimento que deve ser impactado pelo uso de uma inteligência artificial desenvolvida pelo próprio STJ e anunciada em fevereiro.
A partir daí, a ARP analisa a suficiência do recurso, momento em que julga, por exemplo, se o caso demanda reanálise de fatos e provas ( vedada pela Súmula 7) ou cláusulas contratuais ( vedada pela Súmula 5).
Até o momento, essa análise é feita de forma manualizada, roteirizada e parametrizada. O servidor responsável preenche dados de cada processo em um questionário e o sistema oferece uma minuta de decisão de admissibilidade.
Esse trabalho roteirizado ajuda a evitar que tais decisões sejam impactadas por questões subjetivas — pela opinião jurídica de cada servidor que vai minutar a decisão para a assinatura da presidência.
Recorribilidade e sucesso
Admissibilidade de REsp e AREsp no STJ – 2024
Situação | Número | Percentual |
---|---|---|
REsp e AREsp recebidos | 353.294 | 100% |
Não conhecido pela ARP | 151.765 | 42,95% |
Não conhecido pelos gabinetes | 76.621 | 21,70% |
Total de não conhecidos | 228.386 | 64,65% |
Das decisões de inadmissão proferidas pela presidência do STJ cabem recursos — agravo interno ou regimental, a depender do processo. Esses são distribuídos aos gabinetes e julgados colegiadamente.
A taxa de sucesso dos recorrentes é mínima. Em 2024, o tribunal registrou recurso contra 35,2% das decisões da ARP, mas em apenas 3,7% houve decisão de reforma.
Para evitar que até esses casos precisem passar pelos gabinetes, o STJ estuda uma alteração regimental para dar poder ao próprio presidente para julgar os agravos.
Nesses casos, o julgamento seria virtual, sob relatoria da presidência, mas na seção competente. O presidente ofertaria voto, e os demais ministros decidiriam se destacariam o caso ou não. Só em caso de destaque ele seria distribuído.
O impacto é relevante porque, só em 2024, o STJ baixou definitivamente 133.109 processos sem que tenham sido distribuídos aos ministros. O número representa 28,4% do total de processos baixados.
Sem a atuação da ARP, a corte estima que a distribuição aos gabinetes aumentaria 49% para os ministros da 1ª Seção (Direito Público), 83% para os da 2ª Seção (Direito Privado) e 24% para os da 3ª Seção (Direito Criminal).
Filtro de HCs
Impacto da atuação da ARP na distribuição de processos – STJ 2024
Seção | Aumento na distribuição sem ARP |
---|---|
1ª Seção (Direito Público) | 49% |
2ª Seção (Direito Privado) | 83% |
3ª Seção (Direito Criminal) | 24% |
A Seção Criminal do STJ é a menos afetada porque é, também, a que menos julga recurso especial e agravo em REsp. A maior parte da distribuição é de Habeas Corpus e recursos em HC.
Ainda assim, a ARP também tem atuação relevante. O órgão é o responsável por filtrar esses pedidos e detectar quais são inadmissíveis por incompetência.
A ARP ainda indefere pedidos com base na aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual não cabe conhecer do HC contra decisão do relator que, também em HC, indefere a liminar.
A ideia é obrigar as defesas a aguardar o julgamento do mérito na origem, para depois entrar com o HC ou o recurso. Em 2024, foram cerca de 14 mil decisões da ARP em Habeas Corpus.
Benjamin e Salomão participam de encontro com vice-presidentes de tribunais de apelação no STJ
Admissibilidade uniforme
Os dados foram apresentados pelo juiz auxiliar da presidência do STJ, Fernando Gajardoni, e pelo assessor jurídico da corte, Tiago Irber, em evento com vice-presidentes de tribunais de apelação neste mês.
O encontro foi organizado para estabelecer um diálogo entre essas cortes com o objetivo de azeitar ainda mais a admissibilidade de recursos. E há margem para isso.
As estatísticas do STJ indicam que, quando os tribunais de segundo grau admitem o recurso especial, os processos ainda não são conhecidos em quase 30% dos casos.
Isso significa que quase três de cada dez REsps admitidos nem deveriam ter chego à corte. A taxa é considerada preocupante pelos integrantes do STJ.
Por outro lado, quando os tribunais de apelação não admitem os REsps, essa decisão raramente é revista pelo STJ em sede de AREsp. A taxa de provimento foi de apenas 3,7% em 2024, condizente com o histórico recente.
Por isso, o STJ espera uniformizar o procedimento de análise de admissibilidade dos recursos nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais.
Manual da admissibilidade
Vice-presidente do STJ, o ministro Luis Felipe Salomão destacou no evento que o atual cenário de crise no sistema judicial, com excesso de processos e uma cultura de precedentes ainda em formação, torna a discussão propícia.
“Passa a ser absolutamente necessária uma integração entre o tribunal encarregado de uniformizar a legislação federal por meio do sistema de precedentes com os tribunais locais, que aplicam esses precedentes”, disse.
Presidente do STJ, o ministro Herman Benjamin propôs que, considerando a alta rotatividade dos grupos que fazem a admissibilidade — a vice-presidência nos tribunais de apelação e a assessoria da presidência do STJ mudam a cada dois anos — estabeleceça-se um manual.
“Estamos falando de aspectos processuais, mas por baixo disso estão questões de fundo. Quando os processos são bloqueados, o resultado não é que o processo não sobe, mas que a decisão de mérito da segunda instância é mantida. É a valorização da primeira e segunda instâncias”, destacou.