Opinião
Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão da atualização de créditos não habilitados em uma primeira recuperação judicial e a possibilidade de sua habilitação, em um segundo processo de reestruturação, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 2.138.916.
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No caso concreto, um credor da empresa OI S.A. deixou de habilitar seu crédito na primeira recuperação judicial, iniciada em 2016. Posteriormente, durante a segunda recuperação judicial da companhia, ajuizada no ano de 2023, o respectivo titular pleiteou a habilitação da mesma quantia, agora com atualização monetária até a data do novo pedido.
Ao examinar a controvérsia, o Tribunal de Justiça o Rio Grande do Sul indeferiu a pretensão, sob o argumento de que o fato gerador do crédito ocorreu antes do primeiro pedido de recuperação judicial e, por conseguinte, não seria possível atualizar o valor com base em evento superveniente, como pretendido pelo credor.
O posicionamento foi mantido pela Corte Superior, que reafirmou o conteúdo do artigo 9º, II, da Lei nº 11.101/05. Conforme destacou o voto condutor do acórdão, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva:
“Para manter a paridade com os demais credores submetidos ao primeiro plano de recuperação judicial, o crédito deve ser corrigido até a data do primeiro pedido e, em sequência, sofrer os eventuais deságios e atualizações previstos no primeiro plano. Ajuizada a segunda recuperação judicial, deverá seguir o mesmo destino que os créditos remanescentes da primeira recuperação, ainda não quitados, terão”.
Violação ao par conditio creditorum
O relator observou, ainda, que a data de atualização do crédito exerce função instrumental na preservação da isonomia entre os credores, especialmente por refletir diretamente no cálculo do montante a ser submetido às condições do PRJ. Permitir a atualização com base na data de um novo processo de soerguimento, segundo o ministro, violaria o princípio da par conditio creditorum, criando distorções indesejadas na estrutura do passivo.
Esse entendimento se harmoniza com a tese fixada no Tema 1.051/STJ, segundo a qual o momento determinante para a definição da natureza concursal do crédito é a ocorrência do fato gerador. Logo, ainda que não tenha sido habilitado no primeiro processo, o crédito permanece sujeito aos efeitos daquele plano, por força do artigo 49 da LRF. Conforme ressaltado no julgado:
“O reconhecimento judicial da concursalidade do crédito, seja antes ou depois do encerramento do procedimento recuperacional, torna obrigatória a sua submissão aos efeitos da recuperação judicial”.
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Dessa maneira, a prerrogativa de habilitar o crédito não se confunde com sua sujeição automática aos efeitos do plano de recuperação judicial, o que impede sua requalificação como crédito “novo” e a tentativa de atualização com base em critério temporal distinto.
Nesse sentido, o julgamento do REsp 2.138.916/STJ se destaca ao enfrentar a crescente realidade das recuperações judiciais sucessivas, situação que decorre, em parte, da dificuldade de execução dos planos inicialmente aprovados.
A decisão ratifica a higidez do marco temporal previsto no artigo 9º, II, da LRF, consolidando o entendimento de que a data do pedido de recuperação judicial constitui referência obrigatória para a atualização dos créditos sujeitos aos seus efeitos.
Além disso, o acórdão reforça o caráter estático da formação do passivo recuperacional e a necessidade de observância ao princípio da paridade entre os credores, impedindo que a postergação da habilitação gere tratamento privilegiado ou comprometa o equilíbrio financeiro do plano de recuperação judicial.
Sinaliza-se, assim, a importância da atuação tempestiva e diligente dos credores, como forma de garantir ao devedor a previsibilidade e a efetividade do processo de reestruturação empresarial.
Referência bibliográfica:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2.138.916 – RS. Relator: ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em: 8 abr. 2025. Terceira Turma. Publicado no DJe em: 15 abr. 2025. Disponível em: https://processo.stj.jus.br. Acesso em: 22 de abril de 2025.